segunda-feira, 14 de outubro de 2013

a seca, a prece, a senhora


a seca mata minha senhora

o chão parece cimento

os animais estão morrendo

e as crianças a chorar

pedem o pão noite e dia

e eu nessa agonia

só me resta rezar

está ficando tudo cinza

cada canto, cada esquina

e o sol a castigar

acabou o verde, acabou o pasto

e quem seguir o rastro

verá morte onde passar

a seca mata minha senhora

o chão de barro batido

acolhe as lagrimas dum gemido

que eu calo pra rezar

se puder minha senhora

carrega essa prece pro moço lá de cima

que acabe esse castigo

eu rogo pelos emudecidos

que não conseguem mais rezar

e agradeço minha senhora

sua visita nessa hora

atendeu-me sem demora

enquanto rogava-nos a chorar

outono de mim

se me permite
permita-me nada dizer
permita-me calar e só existir
não precipite meus verões ou primaveras
é tempo do outono de minha alma
é tempo de permitir que as folhas sequem
que os ventos entortem meus galhos
que minha copa fique nua, despida
é tempo de despedir-me das cores
é tempo de meu tronco ser de um cinza opaco e frio
não entristeça sua alma com essas linhas de poucas cores
é tempo de preparação
é tempo de maturação
levará ainda mais uma estação
até que eu retorne a mim
trazendo flores em meus cabelos
embalando-me com o vento
e entoando-te canções de amor

mas
se me permite
permita-me nada dizer

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Interrogatório

Interrogatório
Não queremos poesia,
Queremos mágicas, artifícios,
Queremos explosões, meteóricas emoções e sensações
Queremos experimentar o inexperimentável
Procuramos tapar na existência fatais vazios
E apesar de imenso esforço, uma atrofia.
Um músculo sequer move-se nessa vã tentativa de reagir

Mas o que sabem vocês outros da secreta elevação
Dos sagrados e histéricos soluços da garganta a chorar?
Quando, consumidos pelo haxixe da alma em imersão,
Beijamos o primeiro degrau, para além de cujo limiar
Os deuses moram?
Vivem?
Persistem?
Ou simplesmente residem na vastidão de nossa insana ilusão?
Se moram, onde então será sua brigada?
Se vivem, como podemos então vos tocar?
Se persistem, será então que lutam para alimentar nossa crença?
Ou seremos nós, frágeis e ignorantes seres cuja existência só persiste se crermos no que ninguém mais crê?

Ah, outrora pequeninos, de fé imatura e intocável
Podíamos olhar o céu e ver mais que meras nuvens
Podíamos olhar o homem e enxergar mais do que um ser maior que nós

Onde ela está? Quem roubou nossa fé? Quem, de coração impuro a imaculou?
De certo voz alguma poderá nos responder
Mas sim, o espelho por ventura faria a vez dessa voz emudecida
Sem palavra alguma proferir

E nós? Com que cor pintamos nossa cara?
Com que pano tecemos nossas vestes?
Com que metal fizemos nossas armaduras?
 
Armaduras? Para que mesmo nós a fizemos?

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

De volta pra casa

Abri a porta com certa dificuldade
o chão empoeirado denuncia a falta de zelo
as paredes com enormes mantas de teia
mal pintadas
que cor era?

os móveis gastos
encostados num canto qualquer
no quintal frutos e folhas acumulando-se mortos no chão

as roseiras já haviam ido
ficara apenas o tronco seco e retorcido

não me demorei
cuidei daquele canto o qual há muito chamava de meu barraco
tantas histórias e estórias
fábulas da minha vida mascaradas e coloridas
algumas doloridas
reais ou não
minhas

aos poucos
vem a cor e o frescor de uma primavera anunciada
mesmo que ainda não seja o tempo dela
e sento no banquinho de madeira com a caneca de água imposta às mãos
e admiro novamente aquele velho lugar
como se novo fora
e de fato era
eu era
pois regresso a ele diferente de quando fui

e volto a encontrar amigos velhos e novos
com suas linhas mágicas
seus traçados encharcados de sentimento e vida

e sinto
é muito bom poder estar de volta
ao meu barraco de vidro

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O tempo

Vagueio em busca do tempo ora perdido
Ele, malandro e faceiro, corre com os dentes entre os lábios sorrindo de mim
Adentro nas memórias já esquecidas e procuro, sacudindo as tralhas para o alto, aquilo que já nem lembro mais
Fio-me no vazio de minh´alma, fito o que ainda há de bom em mim e já não esmoreço: existo!
Reproduzo no vento inconstante as imagens de mim mesma e que um dia fora eu: não sou!
As imagens, em preto e branco, vão colorindo as telas da imaginação do que deveria ter sido: e não foi!
E os sons, gritos e gemidos, sorrisos e choros, gargalhadas e silêncios, são apenas letras reproduzidas – como que borboletando - no universo daquilo que não pôde e não poderá ser dito: calo!

Contabilizo, todavia resignada, as inúmeras desventuras. Culpo o próprio tempo, já que o espelho – ah o espelho – acusador insensível, revoga toda culpa a ele atribuída.

E, rindo de mim, ele mesmo trata de curar dores que ele mesmo causou. Fecha feridas que ele mesmo abriu. Sela o que ele mesmo rompeu. E seguimos abraçadaos porque um do outro necessita para chegar, seja lá onde for.

Ele, o tempo.